A natação e a colônia japonesa

Publicado em 23/10/2007, aqui

No final do mês de agosto realizou-se na Província de Chiba uma das mais importantes competições internacionais de natação em 2007, o Japan International Swim Meet, na cidade de Narashino. Durante uma das reuniões do comitê organizador que antecederam o evento, o Presidente de Honra da Federação Japonesa de Natação, Hinoshin Furuhashi, convidou a Governadora da Província de Chiba, Akiko Domoto, para assistir à competição. A Governadora Domoto desculpou-se explicando que não poderia se fazer presente pois visitaria o Brasil na mesma época, para as comemorações dos 50 anos da Associação Chiba Kenjin do Brasil (Chiba Kenjinkai). O Sr. Furuhashi então contou à Governadora que já havia visitado o Brasil em 1950, para participar de competições de natação.

Um dia antes da Cerimônia de Comemoração dos 50 anos do Chiba Kenjinkai, marcada para o dia 26 de agosto, a Governadora Domoto visitou o Museu Histórico da Imigração Japonesa, no prédio do Bunkyo – Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa. Um recorte de jornal de 1950 chamou a atenção da Governadora: a vinda de quatro nadadores japoneses ao Brasil, os “Peixes Voadores”, dentre eles, o recordista mundial Hinoshin Furuhashi. A Governadora descobriu que a viagem do Sr. Furuhashi ao Brasil fazia parte de um dos mais importantes acontecimentos da colônia japonesa.

Toda esta história foi destacada pela Governadora Domoto durante seu discurso na Cerimônia de Comemoração dos 50 anos do Chiba Kenjinkai, história esta reforçada pelo discurso, no mesmo evento, do Presidente do Bunkyo, Prof. Kokei Uehara, que contou que a competição na piscina do Pacaembu, da qual participaram os “Peixes Voadores” japoneses, foi um marco para os imigrantes: foi a primeira vez no pós-guerra que, em público, foi hasteada a Hinomaru, bandeira japonesa, e tocado o Kimigayo, hino nacional do Japão, na presença de milhares de nikkeis, dentre eles o próprio Professor Kokei.

A vinda destes nadadores acabou por melhorar a aceitação da colônia japonesa pela sociedade brasileira. A visita dos “Peixes Voadores” foi destaque em meios de comunicação da época e foi uma dica destes japoneses que fez surgir um dos grandes heróis do esporte brasileiro, o nosso saudoso Tetsuo Okamoto, que veio infelizmente a falecer no último dia 2 de outubro. A dica de treinar 10.000 metros por dia fez a diferença e Okamoto sagrou-se como o maior medalhista do Brasil nos primeiros Jogos Pan-Americanos em Buenos Aires (1951) e como primeiro medalhista olímpico da natação brasileira, conquistando um bronze na prova dos 1.500 metros nado livre na Olimpíada de Helsinque (1952). As conquistas de Okamoto encheram de orgulho o povo brasileiro, que agora tinha um motivo maior para aceitar os japoneses e seus descendentes como parte da sociedade. Aproveitando o assunto, um fato curioso da medalha de bronze de Tetsuo Okamoto: o podium dos 1.500m livre foi composto somente por “japoneses”. Medalha de ouro para o nikkei americano Ford Konno, medalha de prata para o japonês Shiro Hashizume e bronze para o brasileiro Tetsuo Okamoto.

O assunto que tomou conta do Chiba Kenjinkai nos dias seguintes trouxe recordações de várias pessoas. Uma destas recordações envolvia meu avô, Itsumu Sampei, que não conheci, pois faleceu quando meu pai ainda tinha seus 12 anos: a Presidente do Departamento de Senhoras (Fujinbu), Sra. Misao Tachibana, me contou que no meio da multidão que foi ao Pacaembu assistir aos nadadores, perdeu-se de seus pais e acabou assistindo a competição ao lado de meu avô (meu avô e o Sr. Someya, pai da Sra. Tachibana, vieram da mesma região de Chiba, a Vila de Sakuma, atual cidade de Kyonan).

Sem saber de toda esta história, sempre me perguntei por que existiam tantos nadadores nikkeis na natação competitiva? Com certeza poucos destes (ou nenhum!) sabia dessa história quando começou a competir, mas talvez aqueles ares da época da visita tenham contagiado os nikkeis, resultando em nadadores nas gerações seguintes… :)

Dentre os nikkeis de destaque na natação, podemos citar Rogério Aoki Romero, o único nadador brasileiro a participar de 5 Jogos Olímpicos, Mayra Kikuchi (ex-recordista sul-americana), Celina Endo (ex-campeã sul-americana) e os destaques atuais, como os nadadores nikkeis do último Pan no Rio, Lucas Salatta, Diogo Yabe, Tatiane Sakemi, Mariana Katsuno e Poliana Okimoto, esta última com chances reais de trazer uma medalha olímpica de Pequim no próximo ano.

Sem todo este destaque, eu fui um destes nikkeis nadadores federados. Nadei competitivamente dos 13 aos 22 anos no extinto Estilo Clube, de São Bernardo do Campo. O Estilo Clube foi um dos principais clubes da natação paulista e revelou grandes nadadores como olímpico Alexandre Massura. O Estilo Clube continua contribuindo com a natação, já que grandes técnicos da atualidade já passaram (como técnicos ou nadadores) por lá: Mirco Cevalles, técnico da equipe brasileira no Pan de Santo Domingo 2003, Fernando Vanzella, técnico da equipe brasileira no Pan do Rio 2007, Arthur Albiero Jr., primeiro brasileiro a ser nomeado técnico principal de uma universidade americana de primeira divisão, dentre outros. O Estilo Clube também era um clube de muitos nadadores nikkeis, como Raquel Takaya (Pan de Mar del Plata 1995), Cristiane Nakama (Pan de Winnipeg 1999) e Raquel Kibune Maizza (Polo Aquático – Pan de Winnipeg 1999), tanto que o clube sempre se destacou no Intercolonial de Natação, sendo campeão em uma de suas edições nos anos 90.

Se já me sentia orgulhoso por ter nadado com tantas pessoas de destaque, hoje me sinto ainda mais por ter escolhido um esporte, mesmo sem saber, que representou um marco para a colônia japonesa. Saudações aquáticas a todos!

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